Thursday, June 15, 2006

O “monstruoso” Erro do Dr. Cadilhe

Que o Dr. Miguel Cadilhe venha lembrar que o Prof. Cavaco Silva tem responsabilidades no actual estado das finanças públicas, parece-me bem.
Mas não me parece bem a maneira como o fez, porque, a julgar pelo que foi publicado no EXPRESSO de 28 de Maio (de 2005), passou ao lado do essencial da verdade.
O Dr. Cadilhe, confundiu despesas de pessoal na Administração Pública, com despesa pública, que o Prof. Cavaco tinha apelidado de monstro em artigo publicado há semanas.
Ora, não se pode confundir despesa pública com uma parte da despesa pública.
Assim como é falacioso afirmar que a responsabilidade do aumento que possa ter havido nas despesas de pessoal remunerado pelo estado, se deve ao novo sistema retributivo dos funcionários públicos, criado em 1988.
É verdade que essa mudança visou uma requalificação de algumas categorias de funcionários, com o consequente aumento da despesa global. Mas pior que isso, foi o que aconteceu depois e o Dr. Cadilhe parece ignorar: após essa requalificação, que visava uma certa reestruturação da Administração Pública que, para o bem ou para o mal, não se cumpriu (e também nisso o Dr. Cadilhe tem razão), foi determinada uma suspensão das admissões de pessoal. E assim, no restante tempo da governação do Prof. Cavaco, passámos a uma selvagem e escandalosa ocupação dos lugares vagos por pessoas contratadas como prestadores de serviços, em condições que deviam envergonhar qualquer estado civilizado. Dezenas (ou centenas?) de milhares de pessoas, eram usadas pelo Estado que explorava a sua disponibilidade laboral em condições indignas, que não cabe aqui relatar.
Só que, o desregramento era tal, que ao mesmo tempo que uns eram explorados, outros eram arregimentados em colocações onde não faziam qualquer falta, outros contratados titularmente para uma função mas de facto para outra, enfim, tudo sem qualquer controle do poder político, apenas ao sabor do arbítrio de cada dirigente de cada instituição ou serviço.
Até que chegamos a 1996, e vem o Eng. Guterres, em campanha eleitoral, prometer que, sendo eleito Primeiro-ministro, resolveria a tragédia dos contratados a recibo verde (como eram vulgarmente conhecidos os trabalhadores acima referidos).
Uma vez eleito, o Eng. Guterres cumpriu a sua promessa. Mas cumpriu mal, porque foram integrados como funcionários públicos os que estavam e faziam falta aos serviços, os que estavam e não faziam falta nenhuma, e, dizia-se na altura, até outros casos que não interessam a este texto.
E assim, pela aplicação do Decreto-Lei nº 195/97, de 31 de Julho, viu-se a Administração Pública sobrecarregada com um batalhão de funcionários, necessários ou não, que pesaram financeiramente muito mais do que a actualização salarial do novo sistema retributivo de 1988 (veja-se o seu inenarrável nº2 do Artigo 4º).
Esta é que é a verdade, para além do que disse o Dr. Cadilhe, que assim projecta contra a dignidade de todos os que trabalham, o ónus das más políticas dos governantes. E como se vê, a asneira nem sequer tem partido político: atravessa qualquer um que esteja com o poder de tomar decisões.
Eram boas as intenções do Prof. Cavaco? Eram boas as intenções do Eng. Guterres? Não duvido. Mas foram tomadas e conduzidas, com o terrível pecado português:
sem auditoria nem responsabilidade.
Mas o pior para as contas da despesa com pessoal, é que a desgraça não ficou por aqui. Desde essa integração de 1997, todos os governos têm determinado medidas muito restritivas das admissões na função pública. Resultado? Há serviços, em que mais de 20% do pessoal é contratado a termo resolutivo (nova designação jurídica para os contratos a termo certo).
Ora, quando o estado celebra contratos a termo resolutivo, não sendo o trabalhador funcionário ou agente, o Estado passa a comportar-se como empregador de direito privado, tendo de suportar 20,6% da remuneração para a Segurança Social.
E assim, onde sejam substituídos 20% dos funcionários por pessoas contratadas, a despesa com pessoal, sem aumentar nem promover ninguém, aumentou automaticamente 4,2%. Mas a este valor, já não se pode chamar salários de funcionários públicos. São despesas com pessoal.
Como o Estado e a Segurança Social, em termos orçamentais são a mesma coisa, o dinheiro sai de “uma gaveta” e vai para outra. Mas assim se vê que anda por aí muita “boa” e má gente, a falar de despesa pública, de despesas do Estado com pessoal, de salários de funcionários públicos, etc. sem saber realmente do que fala. E, consequentemente, confundindo tudo.

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